No princípio, é o fim: um funeral, um carro acidentado. Aos poucos, vemos sinais de uma violência extrema, que revela uma ausência. Ouvem-se rumores, pesadelos de uma criança. Vai-se formando, aos poucos, uma atmosfera de um desespero apático. Entramos numa espécie de ‘zona’, um local fora do mundo, um não-lugar, um limbo próximo do pós-apocalíptico. Aqui, nestas ruínas da civilização, há homens a deambular – aparecerá também uma mulher e uma criança, dentro de uma casa – por entre resquícios de uma existência humana, quais ‘zombies’ que vagueiam sem aparente razão. De quando em quando, há uma espécie de regresso a uma vaga normalidade – um homem, que parecerá o protagonista, conversa com uma educadora, que revela a morte da sua filha. Como habitualmente nos filmes de Aguilar, há apenas pequenas pistas narrativas que nos conduzem para aquilo que é essencial: a experiência dos homens abandonados nessas ruínas. Até a criança, na sua candura, parece apenas um fantasma, uma aparição de que algo que já desapareceu. A construção cinematográfica (o enquadramento do plano, as suas camadas de luz, e a insistência em filmar espelhos ou apenas silhuetas) demonstra as qualidades fugidias, impressivas, da estética de Aguilar, acentuando um carácter de ‘morto-vivo’ que as personagens assumem. Não por acaso, o título do filme remete diretamente para uma planta imaginária – a mariphasa – que tem o poder de impedir a transformação de um homem em lobisomem (esta planta é meramente cinematográfica, aparecendo no clássico "O Lobo Humano / Werewolf of London", realizado por Stuart Walker, em 1935). De facto, o filme de Aguilar parece sempre prestes a passar a barreira entre o humano e o não-humano, mas apenas se vislumbra uma vaga ideia de evitar a destruição: talvez a música tenha esse poder? "Mariphasa" termina com "We’ve Got Tonight", de Bob Seger, lembrando que o romantismo pode ser uma última salvação. No entanto, não conseguimos escapar a uma memória anterior ao filme e que tem na narrativa uma apoteose destrutiva: essa memória é algo que paira sobre as personagens, sem que estas consigam escapar delas próprias. Sandro Aguilar é um dos cineastas mais importantes do Curtas Vila do Conde, que exibiu a quase totalidade da sua obra no festival. Venceu a competição nacional com "Corpo e Meio", em 2001 (filme que será exibido nesta edição, no contexto da Carta Branca dos 25 anos do Curtas), e o prémio de jovem cineasta português com "Estou Perto", em 1998. É um dos nomes centrais da Geração Curtas. (DR).