Num longo e amplo plano, vemos máquinas que trabalham: elas escavam, extraem areia de forma incessante. No interior deste plano, o ser humano é minúsculo, um pequeno organismo num corpo enorme e disforme. Em "Coup de Grace", Salomé Lamas vira o seu cinema de pernas para o ar: apesar de lá estarem as marcas de um real extremamente duro (o trabalho, a habitação, a sobrevivência), aqui a ficção invade o documentário, toma conta dele, para se tornar intensa e surreal, como se Lamas fosse agora uma cineasta da fantasia a perverter as suas personagens para brincar com elas. Mas, neste filme, as personagens parecem não ter salvação, são apenas "areia na engrenagem". Daquela prisão em que os humanos se colocam (de novo o trabalho, de novo as casas e aquilo que precisamos nelas), apenas se sugere uma libertação – visualmente impressionante nos planos dos pássaros que esvoaçam numa torrente. Salomé Lamas regressa assim a Vila do Conde, onde já mostrou vários trabalhos tão diferentes como "A Comunidade", em 2012, sobre veraneantes em parques de campismo; até "A Torre", em 2015, um filme experimental em que a floresta e o homem parecem competir pelo protagonismo. (DR)