Neste filme há uma voz em off que se afirma como a âncora do espectador, relatando na primeira pessoa a experiência de uma vidente na Turquia do Século XX. A sensualidade daquela voz dá um tom poético e cinemático que atenua (mas não esconde) a extrema violência de uma narrativa que envolve dogmas culturais e religiosos, abusos de poder, submissões, perdas de dignidade e individualidade. As imagens, belas mas dissonantes, não seguem as palavras, ampliam-nas e fornecem à imaginação o espaço necessário para que o que se ouve se entranhe e indigne qualquer alma sensível. Que bom seria entender esta língua ancestral e não precisar das legendas, camada visual ruidosa que se sobrepõe a um exercício de cinema deslumbrante, que nos obrigam a ler o que se ouve e que acrescentam a interpretação de quem traduz. O realizador Gürcan Keltek reconstrói e interpreta a história de Fethiye Sessiz a partir dos seus diários e cartas (ambos são originários da província de Izmir, na Turquia). Premiado em Reykjavik e Montreal, “Gulyabani” de Gürcan Keltek chega-nos depois da sua longa-metragem “Meteorlar”, grande prémio do Porto/Post/Doc em 2017. (CA)