Fora de tempo, porque fora das tendências, “Ghormua” retoma as mais belas tradições do cinema clássico oriental e, nele, reencontramos, salvaguardando as singularidades de cada qual, vestígios de Satyajit Ray, nos planos celestiais de figuras femininas, ou de Kenji Mizoguchi e das suas florestas enubladas. Magistralmente orquestrado (incluindo a nível sonoro e musical, o que se revela essencial para a estrutura narrativa e para a gestação da atmosfera), o filme apresenta diferentes personagens na sua existência diária, repetitiva: uma mulher, uma criança, dois irmãos – um dos quais professor. Numa conversa entre ambos, em torno do falecimento do pai, um deles questiona: "se alguém tivesse que escrever uma história sobre a nossa aldeia, qual seria a primeira linha?". Seria um som. Ouve-se um tiro e seguem-se vários planos fixos de corpos estendidos. Um suicídio em massa assombra aquela população e contamina os seus sonhos. Morte, imaginação e realidade entrecruzam-se numa caminhada que, apesar de tudo, só pode pertencer aos vivos. (AJM)