Um carro misterioso pára num lugar inóspito. Uma mulher, muito bonita, é forçada a sair do carro. Algo vai acontecer. Mas de repente, um outro carro embate de forma violenta. É um acidente espetacular. A mulher, Rita (Laura Elena Harring), sai aparentemente apenas com arranhões. Meio desorientada, acaba por se refugiar numa casa. É aí que chega, no dia seguinte, Betty (Naomi Watts), uma loira, que chega a Hollywood com a ambição de se tornar atriz. Tornam-se amigas. Parecem o espelho distorcido uma da outra: uma mulher que perdeu a memória, traumatizada; uma mulher inocente a enfrentar o mundo do cinema. Lynch monta-nos uma história aparentemente simples, para, aos poucos, distorcer, fragmentar e destruir. Utilizando uma série de géneros (terror, comédia, absurdo, musical, etc.), o realizador constrói um puzzle intricado, como se o cinema – e, em especial, Hollywood – fosse (ou, na verdade, seja) uma estranha e secreta organização, que, como marionetas, impõe uma realidade alternativa e impiedosa. Lynch joga aqui no seu território predileto: o do filme quase “incompreensível” – por se jogar num terreno de constantes elipses e personagens enigmáticas – mas que monta um aparato contraditório, confuso, como também Hollywood é. Poderá haver retrato mais fiel e, ao mesmo tempo, mais louco do que este? (DR)