Teoria dos Afetos: o Cinema de Carla Simón
O grande tema que sempre ocupou Carla Simón é devedor da grande tradição melodramática: a família como microcosmos das sociedades e a posição da mulher nesse universo. “Women“ (2009, correalizado com Marco Businaro) é significativo dessa recorrência, ao obsessivamente mostrar mulheres em diversas posições simbólicas, remetendo para a maternidade, o desejo, o afeto ou a frustração.
Com uma história pessoal marcada pelos intensos anos 1980 em Espanha – anos de abertura para uma nova liberdade, política e sexual –, Simón veria morrer ambos os pais de SIDA. A dimensão afetiva da perda e da família como lugar de amor e conflito estão tanto na sua história singular como nos filmes que realizou, sobretudo “Verão 1993“ (2017), a sua primeira longa, e “Las pequeñas cosas“ (2014): centrado numa aldeia catalã, conta uma história simples de uma mãe e uma filha já adulta – que vivem juntas – e a espera de ambas pelo filho que as visitará, vindo da cidade, com a sua namorada; a espera é inconsequente, mas reveladora das pequenas tensões entre aquelas duas mulheres e a forma como aquela microfamília é reveladora das pressões da sociedade, entre uma modernidade contemporânea e as tradições conservadoras de Espanha.
Talvez uma das imagens mais fortes do cinema de Carla Simón seja uma imagem que não foi ela a captar: as filmagens do seu pai quando a sua mãe, ainda nova, acorda na cama. Ao recuperar esses espectros – filmados em película –, Simón traz à superfície uma certa melancolia que nunca a deixará. São imagens que se repetem, tanto em “Llacunes“ (2016) como “Correspondencia“ (2020, correalizada com Dominga Sotomayor; exibida no Curtas 2020), e que lançam um lastro genético, simbólico, familiar, nas imagens produzidas pela cineasta. Um lastro que, como se vê em “Correspondencia“, é um questionamento constante pelas ligações familiares, pela maternidade, ou pela fragilidade dos laços afetivos.
“Alcarrás“ (2022), que se estreia em Portugal no Curtas, depois do Urso de Ouro na Berlinale, é o prolongamento desta linhagem, ao ocupar-se de uma família, numa aldeia interior da Catalunha, e das contradições sociais, económicas, climatéricas desse espaço afetivo.
Nesta década de trabalho, Carla Simón tem construído um corpo de trabalho consistente, que promete introduzir-se no espaço do cinema contemporâneo e das histórias simples que questionam a singularidade do ser humano.
Daniel Ribas
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